Conheça o ilustrador que perdeu mais de R$60 mil em golpe internacional

27 de July | 2022

Um contrato dos sonhos, mesmo que extremamente bem embasado e escrito, pode se tornar um grande pesadelo. Foi o que aconteceu com o ilustrador Bräo: mesmo precavido e experiente, ele caiu num golpe de proporções internacionais. Segurança tem fronteiras? É isso que vamos descobrir nessa história digna de detetives!

Por Me Poupe!

A modalidade de Microempreendedor Individual foi criada no Brasil há exatos 12 anos e, desde então, mais de 14 milhões de cidadãos já se cadastraram como microempreendedores. Esse número só tende a crescer: segundo dados levantados pelo Ministério da Economia, tivemos, até maio de 2022, 646 mil novos profissionais autônomos registrados.

O desenhista Bräo (lê-se “Brão”), pseudônimo de Abraham Aguiar, deixou para trás uma carreira estável como ilustrador e animador em agências de publicidade para se dedicar 100% do seu tempo à sua paixão, o desenho. Ele sabia que tinha ali um talento e que poderia transformá-lo num negócio.

Atuando como autônomo desde 2010, ele aprendeu a se planejar financeiramente para o período em que estaria se dedicando a um projeto. A atuação enquanto freelancer gera uma série de mudanças nas entradas de uma pessoa. Por exemplo, é bem provável que ele só receba ao final de um projeto o valor acordado. O que, dependendo da extensão do trabalho, pode levar alguns meses.

Por isso, o ilustrador escolhe a dedo seus projetos e, muitas vezes, precisa recusar algumas ofertas de trabalho ou parceria.

Essas últimas são importantes para que ele se torne conhecido e funciona assim: uma pessoa de uma revista, periódico ou catálogo entra em contato com ilustradores e designers para realizar uma espécie de permuta. Existe um olho (um espaço em branco) na publicação, e convida o artista a realizar um trabalho a ser publicado lá. Normalmente, eles não ganham nada, apenas o reconhecimento.

E foi com um convite desses que o pesadelo de Bräo começou.

Um trabalho bom demais para ser verdade

Tudo começou quando Bräo recebeu, em agosto de 2020, um e-mail assinado por um tal de Timtej Letonja, manifestando interesse na arte do  brasileiro para ilustrar duas páginas de uma revista chamada Numéro Netherlands. 

O ilustrador retornou alguns dias depois, procurando saber se era um trabalho pago ou se era uma parceria para promover seu site e redes sociais. No mesmo dia, ele recebeu uma resposta de uma outra pessoa, chamada Jonathan Hearthely, com uma nova proposta de trabalho: ilustrar uma história em quadrinhos inteira de 48 páginas e chamada AvantHunt que seria publicada por uma editora chamada Casterman.

A história tinha sido escrita por uma roteirista conhecida no mercado sobre uma deusa que trabalha como modelo nos dias de hoje e envolveria diferentes estilos e visuais. Várias marcas e estilistas também estariam envolvidas, com a inserção de roupas e objetos, como a inserção de merchandising como está rolando hoje em dia nas novelas da Globo.

E já vamos dar um spoiler: essas pessoas, a revista e a editora existem.

Mas não foram eles que procuraram Bräo.

Segundo o e-mail enviado, diversos artistas de peso já estavam comprometidos com o trabalho, com a produção do roteiro e construção dos primeiros esboços.

Com essa troca de mensagens que Bräo começou a desconfiar de algumas coisas. Primeiro, o endereço do remetente era comum e de um Gmail. Se ele dizia ser de uma revista, por que não utilizava um e-mail institucional?

Segundo, a oferta de trabalho era extremamente satisfatória e diferenciada. Inclusive, ele permaneceria com os direitos do trabalho e poderia até receber algum tipo de participação nos direitos autorais caso o projeto fosse vendido para alguma produção audiovisual.

No entanto, os nomes dos artistas e as artes enviadas mostraram que, de fato, essas pessoas estavam envolvidas de alguma forma no projeto. Não seria possível que um grupo imenso de pessoas caísse num mesmo golpe, certo?

Sem rastros suspeitos

“Mas, Me Poupe!, vocês mesmos já cansaram de falar que sob qualquer suspeita, é melhor desconfiar!”

Antes de entrar em julgamento, você precisa entender que toda a narrativa construída pelo golpista era extremamente realista. A editora e as pessoas envolvidas existiam; o contrato enviado para Bräo era válido e bem construído. Inclusive, foi enviado para a conferência de um advogado que trabalha com ele.

Não existia uma forma de você apontar o dedo e dizer “isso é golpe”. Então, por que não aceitar? Bräo mergulhou de cabeça no projeto e, inclusive, estabeleceu uma relação de amizade com o golpista.

Depois de meses, ele deveria receber uma parte do pagamento pelo trabalho, algo que estava no contrato.

E isso não aconteceu.

O brasileiro entregou todo o trabalho e realizou as cobranças dos US$12 mil dólares que deveria receber. Convertendo hoje, isso daria quase R$66 mil. É um mega de um prejuízo, certo? Ainda mais que houve despesas na compra dos materiais para realizar as ilustrações, como papel e canetas específicas.

Depois de um tempo, Bräo recebeu um e-mail com informações para emitir uma nota para uma editora chamada Casterman. O brasileiro, então, entrou em contato e recebeu aquele balde de água fria.

Nesta altura do campeonato, como ele já desconfiava, era tudo um golpe.

Bräo, imediatamente, começou a se comunicar com os nomes envolvidos. Todos deram dois tipos de resposta: nunca haviam trabalhado para aquela pessoa que assinava os e-mails; ou, também estavam brigando para receber o que havia sido prometido.

Segundo o artista, mais de 80 pessoas do mundo inteiro se envolveram de alguma forma nesse golpe. Algumas, eram apenas mencionadas, outras, faziam algum tipo de trabalho e ficaram esperando o pagamento prometido.

Quando confrontou, pela última vez, o golpista, recebeu a seguinte mensagem: “Sofro de transtorno bipolar e não gostaria de ter te prejudicado.”

Os danos deixados pelo golpe

Além do não recebimento do pagamento prometido, o principal prejuízo por parte dos artistas envolvidos neste golpe foi a perda do tempo. Imagina, gastar semanas ou meses de trabalho, recusando outras ofertas, para nada?

Sem contar os gastos com compras de materiais que muitos tiveram e acabaram se endividando para algo que nunca verá a luz do dia. Fora que os golpistas podem se aproveitar das artes entregues: como eles receberam versões digitalizadas em alta resolução das ilustrações, não é difícil transformá-las em ativos digitais e vendê-las como NFTs.

Além disso, esse material também pode ser utilizado para aliciar outros profissionais e fazer com que outras pessoas caiam nessa novamente. Afinal, pela investigação realizada por Bräo, essa ação é realizada por mais de 5 anos.

E mais: com os dados pessoais daqueles envolvidos, é possível aplicar outros tipos de golpe, principalmente aqueles ligados à fraude com o uso de identidade para contratar empréstimos ou cartões de crédito.

Infelizmente, não existe ainda uma resposta sobre quem é esse golpista. Ele ainda responde os e-mails enviados por aqueles que não o confrontaram sobre a fraude e continua agindo como se fosse inocente e o projeto fosse verídico.

E como ficou Bräo nessa história?

Depois de se recuperar de todo esse processo, Bräo tem um grande desafio em mente: se recuperar financeiramente e quitar uma dívida que fez com a família.

Para tornar isso possível, ele transformou as páginas criadas em uma nova graphic novel chamada Le: Mönet, que é uma espécie de livro-documentário sobre o que aconteceu. Para tirar o projeto do papel, ele criou uma campanha de financiamento coletivo no Catarse que vai ajudá-lo a amortizar parte da dívida e pagar algumas despesas e fornecedores.

E se você se pergunta se fica algum aprendizado com toda essa história, o artista reforça que sim. Além de se apegar ainda mais com a questão financeira, se organizando de forma mais planejada do que ele já fazia até então, ele ficou com a sensação de que é preciso desconfiar de algumas propostas que aparecem por aí.

A indústria em que ele está inserido tem uma série de peculiaridades e ofertas de trabalho que fogem à regra. 

Assim, além de darmos visibilidade pra essa história e abrir espaço de fala pro Bräo, reforçamos o ALERTA ME POUPE!: quando a esmola é boa, o santo DEVE desconfiar!

E por aí, como você tem lidado com as ofertas de trabalho?! Conhece acontecimentos como esse? Conta pra gente nos comentários. Em breve, voltamos com mais denúncias e métodos para você, trabalhador autônomo, se proteger de ciladas!

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